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Pano do Pó

Para tirar as coisas a limpo,
mesmo nos cantos mais difíceis.


2003-10-28


 

Angola

A visita do nosso PM a Angola trouxe consigo as inevitáveis reportagens e imagens daquele país. Mais não seja, tiveram essas imagens o efeito despoletador destas linhas.

Angola foi o segundo país africano que conheci, ainda em 1995 e onde estive duas vezes pelo período de um mês em cada estada. Com a Guiné de que escrevi há dias, compartilha muito pouco. Na verdade, ainda vinha com o sabor de Bissau na boca, quando, depois de uma viagem de 18h, que incluíu um Airbus A320, um Boing 747, um Fokker 50 e um helicóptero Bell, saí finalmente em Cabinda. Foi uma surpresa, a todos os níveis.

Comecemos pelos pontos comuns. Estava em África, havia africanos e a sua especial forma de ser, alegres e bem dispostos, mas sem muita da inocência e simplicidade do povo guineeense. De resto, as semelhanças acabavam aí. Estava no hemisfério sul pela primeira vez , em pleno verão tropical, na zona que os exploradores ingleses chamavam «white man’s graveyard». Era fácil perceber porquê. Um sufocante calor de 36º, acompanhado de uma humidade elevadíssima, tornavam o ar quase irrespirável. As intensas chuvadas alternavam com um sol escaldante que tudo secava em questão de minutos. Havia mosquitos e imensos morcegos frugíveros que eram, sem exagero, maiores que o meu gato e infinitamente mais barulhentos.

As duas semanas em Cabinda foram estranhas. Como certamente imaginaram, estava num dos campos petrolíferos americanos, naquilo que foi uma experiência surreal. Culturalmente era uma torre de Babel, com pessoas de todo o mundo num cenário tipicamente americano (casas, carros, comportamentos, regras...) e num extremo clima africano. A juntar, claro, ao facto de se trabalhar 13h por dia, 7 dias por semana.

Segui de Cabinda para Luanda num domingo, no dia em que se comemoravam os 20 anos da independência de Angola o que terá contribuído para o perturbante primeiro impacto, que a grande cidade teve em mim. Havia multidões aos gritos por todo o lado, praças com tanques de guerra, num cenário bizarro. Luanda é uma grande cidade, com traços aqrquitectónicos que fazem lembrar as zonas de Lisboa construídas nos anos 60 e 70. Mas é anormalmente suja, maltratada, com poucas mas chocantes marcas de guerra e, mais perturbador que tudo isso, é actualmente uma cidade de contrastes. Vê-se da pobreza mais sub-humana em que deambulam os bandos de miúdos órfãos da guerra, à mais opulenta riqueza dos membros do governo e dos barões do petróleo e diamantes. Ainda assim, é uma cidade a que a pobreza e sujidade não conseguem apagar uma inegável beleza.

Vivi durante esse tempo na embaixada da Suécia (no que constituiu a minha única estada em território sueco), com segurança e condições inacessíveis à maioria dos locais, mas procurei, sempre que possível, estar com eles e conhecer melhor o seu estilo de vida. Descobri excelentes bares nocturnos, discotecas e restaurantes fantásticos. Na verdade, quando nos habituamos a ver quatro ou cinco seguranças de metralhadora à porta destes estabelecimentos, passamos até a achar que Luanda é cosmopolita e quase esquecemos os meninos que comem do lixo e se lavam no esgoto. Consegui convencer os meus colegas a dispensar o motorista, o que nos permitiu conhecer alguns sítios mais dentro do circuito dos locais e menos no circuito dos estrangeiros que, acreditem, vivem em mundos paralelos, dento da mesma cidade, mas que nunca se tocam.

Adivinharam, não gostei tanto como da Guiné, mas repetiria. África é sempre África e uma paixão não se explica.

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