Um Natal diferente
Ao longo da minha infância, a larga maioria dos Natais foi celebrada em Lisboa, em casa de uns tios. Na verdade, no meu imaginário infantil esse é o verdadeiro Natal. Houve num entanto um ano em que passei o Natal no Alentejo. Foi um Natal na província e acima de tudo, um Natal diferente.
Lembro-me que partimos para Fronteira uns dois dias antes do Natal. Encontrei os meu primos de férias, tal como eu e imediatamente partimos para os campos.Estava um inverno particularmente frio e para além do habitual congelamento das poças de água, lembro-me que esse ano foi uma da poucas vezes em que vi o enorme tanque de rega do meu avô, congelado à superfície. Lembro-me que quase experimentei a sensação de cair para o fundo por um buraco no gelo, porque teimei com o meu primo que a fina camada de gelo suportaria o meu peso.
Ajudámos a minha avó e as tias a preparar os doces tradicionais de natal, numa azáfama à qual nunca antes assistira. Recordo como à noite de dia 23, as nossas roupas e cabelos cheiravam a doces fritos e de achar piada a isso.
O dia 24 amanheceu frio, mas logo cedo, eu e o meu primo vestidos a rigor, saltámos para o reboque do tractor e fomos com o meu tio buscar troncos de azinheira cortados, para a tradicional fogueira de Natal. Uma tradição que eu desconhecia. Quem já andou de tractor, percebe se eu disser que, não só perdemos a manhã toda nas viagens de ida e regresso, como que, o mais divertido foi mesmo andar aos saltos no reboque e atravessar a pequena ribeira enlameada que fica no meio da herdade.
A tarde foi passada com expectativa, não das prendas, mas da fogueira, dos doces e de todas aquelas coisas novas para mim. Finalmente chegou a noite e foi sem duvida uma consoada diferente. Passada entre a quente sala da lareira dos meus tios e o frio da rua; frio nas costas e nariz a queimar pelo calor de uma fogueira com chamas de vários metros, alimentadas pelos enormes troncos empilhados. À roda da fogueira, algumas pessoas cantavam, outras bebiam «minis», mas no seu geral, iam alternando uns minutos junto ao fogo com outros no quente das suas casas.
Ao contrário daquilo a que estava habituado, nessa noite não abrimos as prendas, antes depositámos os maiores sapatos que cada um conseguiu encontrar (eu achei umas enormes botas de borracha do meu avô) junto à chaminé e fomos para a cama mal contendo a excitação e a ansiedade pela manhã seguinte, quando finalmente poderíamos descer e ver o que estava dentro dos sapatos.
Foi sem dúvida um Natal muito diferente e, infelizmente, irrepetível.