A Mola Vermelha
Nasceu numa fábrica de plásticos, que tinha sido construída para fazer estendais brancos, mas que entretanto se virou para a produção de molas de roupa.
Vermelha, esbelta, bem torneada, ranhuras no sitio, mola brilhante e dourada ao centro chegou ao supermercado onde foi vendida. Quem a comprou foi uma senhora distinta, bem falante, dona de casa bem aprumada.
Muitos anos passou a fazer o que lhe competia, segurar roupa na corda. Lá no alto, na varanda do terceiro andar esquerdo, fez amigos e amigas, outras molas como ela, mas de outras cores. Ela era a única mola de roupa vermelha da varanda.
A Mola vermelha já não era o que tinha sido em tempos, estava desbotada e cansada. E num dia sombrio e de vento, como não se lembrava de ver, caiu, faltaram-lhe as forças e só o chão do terraço interior do prédio, em mosaicos a imitar a calçada, a amparou. Felizmente não tinha partido nada.
Assim ali permaneceu dias a fio. As amigas lá do alto, quando podiam, e com o oscilar da roupa na corda ao vento, espreitavam para ver como estava. Estava triste, tendo como única companhia, o seu amigo passarinho preto e cinza, com quem conversou algumas vezes lá no cimo, onde queria estar. Também alguém a olhava, e ainda olha, diariamente por entre persianas de metal, lacadas a branco. Alguém que trabalha ali, do outro lado da janela do rés-do-chão esquerdo.
Neste momento é de noite, fecho a persiana, deixo de ver a minha amiga Mola Vermelha.