O meu conto infantil
Sei que foge um pouco ao que é um conto infantil só que foi o que me apeteceu escrever.....
A menina que fazia xixi em pé…
Esta história acontece no tempo em que a minha bisavó e a tua trisavó eram crianças. Crianças diferentes da criança que tu és. Diferente das crianças que tu conheces.
Esta história acontece na minha terra, na terra dos meus pais, na terra dos meus avós, na terra da minha bisavó. Esta terra pode ser a tua terra mas também pode não a ser. Esta terra fica longe, mas também fica perto. Fica para lá dos montes, das serras, das montanhas. Esta terra tem nome, mas também pode ter o nome de muitas terras.
Naquele tempo não era obrigatório ir à escola. Não havia escola. Às vezes passava alguém pela aldeia que os ensinava a assinar o seu nome e a reconhecer os números.
Naquele tempo não havia brinquedos. As crianças daquele tempo podiam ter uma boneca de trapos. Mas também podiam não tê-la: podiam ter um carrinho de bois. Não havia Barbie ®, nem Action Man ®, nem Game Boy ®, ou Playsation ®. E as crianças eram felizes. Estas crianças não brincavam. Ou brincavam pouco. Esta vida pode-te parecer triste mas elas eram felizes. Não conheciam outra vida. Era a vida delas.
Naquele tempo o trabalho infantil era permitido. Os filhos nasciam para ajudar os pais a trabalhar. Muito novos iam para outras terras ou cidades trabalhar. Looooooonge. Guardavam vacas, porcos, ovelhas. Cuidavam da lida da casa. Aos dez anos.
E eram felizes. Só tinham a boneca de trapos e o carrinho de bois que alguém fizera numa noite de inverno ao lado da lareira, iluminado pela candeia.
Naquele tempo não havia telefones, telemóveis, Mc Donalds ®, Pizza Hut ®, canal Panda ou cinema. Havia ar puro, deitar cedo e cedo erguer.
Agora que sabes como se vivia vou contar-te a história da menina que fazia xixi em pé.
A menina tinha cabelos castanhos, olhos castanhos e faces rosadas. Ou será coradas? Bem vermelhinhas. A Carmelina usava um lenço na cabeça e um avental à cintura. E todos os dias cuidava de uma boneca cujo coração batia e que chorava de verdade: a sua irmã mais nova.
A menina acordava, tomava a sua chávena de leite BEEEEEEEEEEEEM gordo com umas migalhas de pão dentro. E a seguir tratava da irmã. A sua irmã mais velha costumava ajudá-la mas também tinha tido um bebé há pouco tempo e ainda estava de cama a canja de galinha. Sim, naquele tempo as mulheres que acabavam de ser mães passavam um mês na cama a comer canja de galinha. Agora que a irmã tinha o seu bebé a Carmelina ia ver o seu trabalho duplicar! Já não era um, mas sim dois bebés para ajudar a cuidar. Para que a irmã pudesse tratar da casa, do almoço e do jantar, das galinhas, dos patos, dos gansos, dos porcos, da horta, do pão, ela teria de tomar conta dos bebés e também ajudar a cuidar da casa, do almoço e do jantar, das galinhas, dos patos, dos gansos, dos porcos, da horta e do pão.
A Carmelina sonhava com o dia em que iria trabalhar para casa dos senhores da aldeia. Aqueles senhores eram tão bons. Viviam em Lisboa e vinham de tempos em tempos à aldeia e traziam com eles laranjas que distribuíam pelas crianças. A Carmelina e os outros meninos gostavam das laranjas, brincavam com elas o dia todo e só as comiam á noite. A Carmelina sonhava que ia trabalhar para a Senhora que era tão boa. Assim, os pais já não teriam de dar-lhe de comer e ainda receberiam o dinheiro que ela ia ganhar. E quando ela fosse rica haveria de pagar a outras pessoas para fazerem o trabalho que a mãe, o pai, os irmãos e as irmãs faziam. Sim, havia de ganhar muito dinheiro a trabalhar para a Senhora.
E o dia chegou. A Carmelina foi trabalhar para a Senhora. Foi o dia mais feliz da sua vida. Quando saíram da aldeia a Senhora prometeu à mãe da Carmelina que ela ia ajudar a ama da sua filhinha. "Nada de muito pesado, pensaram os pais da Carmelina, e talvez possa ir à escola e aprenda a ler, e quem sabe não acabe professora!".
Que lindos sonhos que eles tinham!
Ao chegar à quinta, em Lisboa, Carmelina descobriu que ia ajudar a tratar da casa, do almoço e do jantar, das galinhas, dos patos, dos gansos, dos porcos, da horta e do pão. E a filhinha da Senhora? A ama cuidava dela. "Tenho sorte, pensou a Carmelina, na aldeia eu tinha de ajudar a tratar da casa, do almoço e do jantar, das galinhas, dos patos, dos gansos, dos porcos, da horta, do pão e da minha irmã e do meu sobrinho. Aqui só tenho da ajudar a tratar da casa, do almoço e do jantar, das galinhas, dos patos, dos gansos, dos porcos, da horta e do pão!"
E assim, a menina que fazia xixi em pé não foi para a escola, nem foi professora. Mas era feliz.
E fazia xixi em pé porque nessa época não existiam cuecas.