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Pano do Pó

Para tirar as coisas a limpo,
mesmo nos cantos mais difíceis.


2004-08-20


 

Herdade do 'Não Vás Lá'

Desde que me lembro de ir passar férias ao Alentejo com os meus tios, primos e avós, que me recordo do tom entre o respeitoso e o mítico, com que o meu tio falava da herdade do Não Vás Lá. Era longe, muito longe mesmo em padrões alentejanos, enorme, com uma barragem grande e, talvez para apimentar a história contada a dois fedelhos, a casa do Monte era assombrada.

Ano após ano, nos dias em que o meu tio ia lá fazer os largos milhares de fardos que o cereal daquelas terras permitia, eu e o meu primo éramos impedidos de o acompanhar, por ser muito longe, dizia. Seguramente que isso terá contribuído para a aura de mistério que se foi formando nas nossas cabeças relativamente à herdade e Monte do Não Vás Là.

Não será então de estranhar que, naquele ano, quando o meu tio nos anunciou que nos três dias seguintes estaria fora, na dita herdade e concluiu com um «Querem vir?», nós nem hesitámos e nessa noite quase nem dormimos. Falámos o tempo todo sobre o que sabíamos e as histórias que tínhamos ouvido sobre o Monte.

Ainda antes do alvorecer, pois é a essa hora que os dias começam no tórrido verão alentejano, estavamos a pé, a tomar um pequeno almoço redobrado e a abastecer sacos e cestas com latas de conserva, pacotes de bolachas, pão ainda quente a queimar que o padeiro acabara de deixar e diversas quantidades de bebidas e guloseimas.

Corremos para fora e saltámos para cima dos enormes guarda lamas do tractor, ainda o sol mal começava a acordar.

Os primeiros minutos passaram depressa, com a excitação do momento e de descobrir as paisagens que o sol lentamente ia arrancando à escuridão, enquanto o vento fresco da manhã nos mantinha agitados, mas depois, as longas 2 horas de viagem a ritmo de tractor tornaram-se intermináveis.

O sol estava já razoavelmente alto quando finalmente chegámos. Fugi com o meu primo para junto da barragem, onde um jacto de rega nos encharcou e ali ficámos, molhados, deitados junto aos girassóis, verdadeiramente a ser regados.

A esta distância é difícil perceber a magia daquelas horas, a escutar ao longe o som da alfaia e ao perto o dos pássaros e o do vento a assobiar no restolho e nos girassóis, alternado com a água a cair, projectada pelo jacto de rega. Mas a fantástica capacidade das crianças inventarem brincadeiras, explica como passei uns dos dias mais inesquecíveis da minha infância. Nadámos, pescámos, fizemos churrascos e mil outras coisas durante os três dias que durou a nosso experiência na herdade.
Dias irrepetíveis, pois por diversos motivos, daí em diante acabámos por seguir -para sempre- o conselho dado pelo nome da herdade: Não vás lá.

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