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Pano do Pó

Para tirar as coisas a limpo,
mesmo nos cantos mais difíceis.


2004-12-02


 

Turlin, o Duende inquieto

Desde que há 106 anos Turlin começara a trabalhar com o Pai Natal, nunca voltou a passar o Inverno com a família, na sua cidade natal de Doni Heiland, a cidade de onde eram originários a maior parte dos duendes que trabalhavam no Pólo Norte, nas instalações da Santa’s Toy City Inc.

Turlin era o responsável do departamento de Investigação e Desenvolvimento de novos brinquedos e até aí sempre tinha adorado o seu trabalho. Tinha a possibilidade de dar largar à sua imaginação e criatividade e o Pai Natal sempre tivera plena confiança nos brinquedos e jogos que Turlin produzia, dando a sua aprovação incondicional.

No entanto, nestes últimos 3 anos Turlin começou a sentir a semente da desmotivação a germinar dentro de si. A longa noite do Inverno Ártico começava a custar cada vez mais a passar e os meses a fio enclausurado no laboratório ou no estirador já não lhe pareciam tão estimulantes.

Turlin era assim mesmo, um inconformado e segundo o prório Pai Natal, isso era o que fazia dele o melhor criador de brinquedos que a Santa’s Toy City já tivera. Mas não foi só nas qualidades criativas que Turlin fez escola; ele foi o primeiro duende a reclamar um aumento salarial e foi directamente responsável pela criação do STRAPON, o Sindicato dos Trabalhadores do Polo Norte.

Aliás, é relembrada como uma anedota corporativa, a monumental discussão que Turlin teve na sauna do health club da Santa’s Toy City, em que exigiu ao Pai Natal uma mota de neve com 2 lugares e 165cv. Assim era ele, um duende refilão, mas acarinhado pelo Pai Natal pela sua competência, já que foi Turlin que esteve por trás de brinquedos que todos nós conhecemos e com os quais todos já brincámos, como o Monopólio, o Action Man, os preservativos com sabores ou os vibradores de 3 velocidades (mais marcha atrás).

Pois neste ano, as coisas não estavam a correr nada bem e o ambiente entre Turlin, os seus colegas e o Pai Natal andava um algo pesado. Tudo começou quando Malguin, o duende director do departamento de Higiene e Segurança nos Brinquedos, foi fazer queixa ao Pai Natal sobre o novo brinquedo que Turlin estava a desenvolver. Segundo Turlin, era uma inocente linha de brinquedos a enviar às crianças Israelitas e Palestinianas, mas na verdade consistia num kit de Do It Yourself para preparar um colete de explosivos e vários bonecos articulados que os vestiam e se desmembravam com o deflagrar da explosão.

Uns dias depois, o Pai Natal convocou Turlin para o seu gabinete e tiveram uma conversa bastante séria.

- Isto não é aceitável, Turlin, onde andas tu com a cabeça? - Disse-lhe
- Não vejo qual é o problema, o ano passado levaste bonecos só com uma perna para as crianças de Angola e não te queixaste.
- Levei?! Hã??!!
- Sim, claro que levaste!
- Merda, por isso é que as cartas que recebi de Angola este ano eram todas a insultar-me a mim e à minha mãe. Isto não pode continuar. Acabei de decidir, de hoje em diante, nenhum produto teu pode sair sem a aprovação do Malguin e minha.
- Mas...
- Nem mas nem meio mas, Turlin, podes brincar o que quiseres, mas com os brinquedos finais, os que enviamos, tens que ser cuidadoso. Sabes como são esquisitos os gajos das ONG’s e mais os caramelos da CE, especialmente agora lá com o Durão na Comissão, tu não me queres levar à falência, pois não?
- Não vejo o problema.
- Chega, está decidido e não quero mais conversa. Se estás com problemas, fala com a Mãe Natal, ela bem precisa de clientes, que anda sempre a queixar-se que a vida de uma psicoterapeuta no Pólo Norte é uma seca.
- Bah, tudo bem.

Foi assim que Turlin decidiu telefonar à Mãe Natal e marcar uma sessão de psicoterapia. Ao menos sempre se distraía, saía do atelier e deixava para trás o cheiro a bosta de rena, para aturar alguém menos chato que os parvos dos duendes do armazém, todo o dia a cantar Jingle Bells.

Tocou à porta da mansão de 3 pisos que o Pai Natal mandara construir com o dinheiro do patrocínio da Coca-Cola e esperou. Breves instantes depois a Natascha - a empregada Ucraniana do Pai Natal - abriu a porta e indicou-lhe a porta da biblioteca.
A lenha crepitava na lareira e emprestava ao local uma luz amarelada e quente, bastante reconfortante. Turlin, ao invés de se sentar na chaise-longue de pele, decidiu dar uma vista de olhos pelos títulos dos livros na estante mais próxima. Estava precisamente a apreciar as fantásticas encadernações da colecção das obras completa do Marquês de Sade, quando entrou a Mãe Natal.

- Boa noite, Turlin.

Turlin respirou fundo antes de responder. A Mãe Natal era uma Finlandesa loira, com 1.82m, de olhos azuis como turquesas e com um corpo que justificava plenamente a razão do Pai Natal chegar sempre despenteado (e tarde) à fábrica.

- Boa noite, Mãe Natal. Como estás?
- Bem, obrigado, Turlin. Senta-te aqui ao pé de mim no sofá, não fiques aí tão longe nessa fria chaise-longue.
- Er... tá bem.
- Bom, sei que tens andado um pouco stressado. Queres contar-me o que sentes?
- Não é fácil, sinto-me cansado. Tenho 158 anos, estou a entrar na meia idade, sinto que estou a perder parte da minha vida. E depois, estes invernos longos aqui... pronto, confesso, desde que casei, tem-me custado estar tanto tempo sem vida sexual.
- Oh, meu querido. Eu percebo isso, sabes, a mim também me custa as 3 horas que o Pai Natal passa por dia na fábrica. Mas o que te fez mudar? Tu dantes, mesmo reinvindicativo, eras afável e sempre alegre. Agora andas... como direi?... resmungão, sabes?
- Eu sei, sinto isso. Mas passar o dia todo a apanhar com os rabetas dos duendes escoceses que vocês contrataram para o armazém há 3 anos, não é fácil. Sempre a cantar, com aqueles ridículos collants verdes justinhos. Sei lá, é tudo junto. Mas essencialmente acho que é aquela coisa da falta de sexo.
- Oh, não seja por isso, meu pequerrucho, senta aqui no meu colo.
- HÃ???
- Vá, o Pai Natal está no laboratório de brinquedos, só chega mais tarde.
- Mas, eu não sei...
- Vá vem cá, deita aqui a cara no meu peito.
- ....

Como esperavam todos, o inevitável sucedeu. O Pai Natal entrou em casa e decidiu ir dizer olá aos dois, pois sabia que ainda estariam na sessão de psicoterapia. Entra na biblioteca e depara-se com Turlin enroscado no peito da Mãe Natal. Surpreendido exclama:

- Mas o que raio estás a fazer, Turlin?
- Estamos na psicoterapia, querido - responde a Mãe Natal - apertando Turlin contra si.
- Ah bom, pensei que fosse mais uma das ideias parvas dele.

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