Um dia na vida de um Ditador SanguinárioTrrriiimm, trriiimm, trriiimm, trriiimm...
- Estou? Sim? ...
- Acordei-te filho?
- Sim mamã... UUUUAAAAAAHHH (bocejo), desculpa.
- Tu viste as horas, filho?
- Er... são 6.45h, mamã, não po..
- JÁ A LEVANTAR, ADOLFO BENITO, JÁ A LEVANTAR!! Que raio de ditador és tu?
- Oh mamã, mas tenho sono, não posso dormir só mais um bocadinho?
- Pois e depois quem é que leva este país para a frente? Ès tu quem manda, filho, sei que custa mas tens que te levantar cedo e ir fazer as tuas coisas, ir Ditar e Sanguinar e assim isso que tu fazes. Já pró banho!
- Tá bem....
Adolfo Benito sentou-se na cama, bocejou e espreguiçou-se. Enfiou os pés nos felpudos chinelos com orelhas de coelhinhos e avançou para a casa de banho.
Como de costume tomou banho e fez a barba enquanto as primeiras áreas da 'Die Meistersinger von Nürnberg' de Wagner, saíam das colunas da aparelhagem.
Ainda a cantarolar, bestiu o seu fato preto, a camisa branca e a gravata preta, espalhou meticulosamente brilhantina no cabelo, puxou-o para trás e atirou um beijo ao seu reflexo no espelho.
- Ciao, bello!
Desceu as escadas a correr e sentou-se à mesa.
- D. Umbelina! - gritou impaciente - O meu pequeno almoço?
- Já vai, já vai, dôtor Benito.
- Humpf!
- Pronto, aqui tem a sua farinha Maizena e o pãozinho com Tulicreme avelã, nesta caixinha para meio da manhã. Tem que se cuidar, que anda muito magrinho.
Cerca de uma hora depois, Adolfo Benito estava à janela do seu gabinete, olhando para os jardins do Palácio do Conselho Popular. Um grupo de jovens - rapazes e raparigas - com calções e cajados com bandeiras, caminhava pela vereda principal. Benito gritou pelo Ministro Adj. da Informação e Segurança.
- Pilates Demitério, venha já ao meu gabinete!
O pobre homem entra a correr, afogueado pelos escassos metros de corrida, claramente não indicados a alguém tão volumoso quanto ele e enfiado num fato tão apertado.
- Chamou senhor Presidente do Conselho?
-Homem, que estão aqueles revolucionários a fazer no meu jardim? Quero-os todos fuzilados JÁ! Não tolero manifestações com bandeiras no meu jardim!
-Revolucionários, senhor? - diz Pilates enquanto espreita pela Janela - Ah, são os escuteiros, hoje vinham cá passear.
- Escuteiros? Pior ainda, fuzile-os já, senão fuzilo-o já a si com esta faca de abrir cartas!! Não tolero essas perversões sexuais, muito menos no meu jardim!
- Sim senhor, concerteza senhor.
Enquanto se ouviam os primeiros gritos, tiros e algazarra lá fora, Adolfo Benito suspirou de prazer por um dever bem cumprido e pegou no telefone.
- Estou, mamã?
- Sim, Adolfinho querido, que se passa?
- Era só para contar que o seu Adolfinho hoje já andou a sanguinar.
- Oh querido... tenho tanto orgulho em ti! Este país precisava mesmo de alguém com mão de ferro para acabar com a escandaleira que por aí vai.
- Hihihihi!
- Olha, docinho de abóbora, comeste o pão com Tulicreme que a Umbelina te mandou?
- Sim, mamã, comi todo.
- Lindo menino, depois logo ligo-te a ver como foram os teus ditados hoje.
- Adeus, mamã!
Como sempre, o almoço foi a galhofa do costume à mesa do 'Terceiro Freich', com a companhia do seu querido amigo, o Doutor Goebbels Franco, um pândego de primeira água, que chefiava o departamento de Propaganda Governamental.
- Oh Adolfo, tu devias lançar assim uma frase forte, como que um lema, para a malta instigar a populaça, percebes?
- A quem?
- As pessoas da rua.
- Ai que horror, Gó, tu lembras-te de cada uma.
- Sério... todas as ditaduras devem ter assim um lema, um estandarte.
- E tens alguma coisa em mente, Gó?
- Eh pah... sei lá.... assim tipo: Ordem e Progresso!
- Mas tás parvo? Isso já os Brasileiros têm!
- A sério? Porra, odeio os gajos, sempre com aquela mania de tentar fazer tudo melhor que nós. Atão e se fôr: Judeus, Escáfia, Brasília!
- Mas e isso instiga a quê? São os tipos que queremos conquistar?
- Não, são os que nós odiamos!
- Odiamos? Porquê?
- Eh pah, mas isso interessa para alguma coisa? Queres que os outros ditadores sanguinários se riam de ti? Tens que ter inimigos, assim tipo coisas ou povos que odeias e matas, mesmo sem motivo.
- Mas, oh Gó, Brasília? Eles têm coisas boas.
- Pah, também os Judeus e depois?
- Ah... e escáfia?
- Eh pah... nem sei bem o que é, mas dá um ar culto à coisa. Se alguém perguntar tu mandas fuzilar, boa?
- Pode ser.
Ainda dava por dentro pulinhos de alegria pela excelente ideia de Gó, quando o motorista o informou que se aproximavam da escola primária para adultos que ia inaugurar.
Arranjou o fato e acenou aos membros do governo já presentes, à multidão que o recebia e saudava entusiasticamente e, por fim, aos soldados que cercavam com as metralhadoras a população, em especial o sargento com o cartaz onde se liam as palavras: 'Saudar efusivamente (ou já sabem)'.
Depois de um breve discurso em que exaltava as virtudes do ensino primário obrigatorio a adultos licenciados cujas famílias não fossem banqueiras, Benito pediu ao seu motorista que o levasse directamente para casa, onde o esperavam as almôndegas com esparguete da D. Umbelina.